sexta-feira, 18 de setembro de 2015

18.09.2015 - Do céu ao caos.

Hoje por ser dia de festa na empresa não precisava ir trabalhar a noite. Resolvi que não ia na festa, mas iria aproveitar a meu jeito, assim que saísse do trabalho pela manhã iria direto pra SP, destino: Beco do Batman. Eu já havia adiado a ida pra esse lugar demais, não queria mais esperar pra conhecer. E fui, ou melhor fomos. O plano inicial era ir sozinha, até porque eu já havia convidado outra pessoa antes e #fail, e sendo rolê fotográfico e por ser algo que poderia não agradar a alguém eu preferia mesmo ir sozinha. Mas tudo mudou quando comentando o que ia fazer na sexta uma pessoa propôs de ir junto, e era nada mais nada menos do que a pessoa com quem eu mais queria poder passar um tempo junto, de preferencia finalmente fora do ambiente de trabalho. Então eu seria a guia turística, mesmo não conhecendo o lugar era eu que sabia as coordenadas. E foi muito bom, as conversas durante o percurso, poder estar perto de alguém sem ter pessoas se intrometendo, foi muito gostoso, eu realmente me surpreendia sabe... ficava pensando na sorte que eu tinha de estar acompanhada de uma pessoa tão interessante. Eu amo quando posso conhecer as pessoas, adoro ouvir quando falam da infância e isso vindo de alguém tão importante pra mim era demais. Depois quando descemos na Luz comecei a seguir o mapinha que fiz. Linha amarela, Fradique Coutinho, íamos começar a pisar em solo desconhecido. Eu havia elaborado outro caminho, mas de última hora optei por este e no fim deu certo, chegamos ao Beco do Batman sem dificuldades e sem errar o caminho.
Logo de cara nos deparamos com esse carro ai... e isso antes de chegarmos no nosso destino. Foi nessa hora que saquei a câmera da bolsa. E tudo naquele lugar era inspirador! Conforme fomos nos aproximando mais íamos nos surpreendendo com as coisas que notávamos no caminho. De frases e poesias pichadas, a intervenções com plantas, mosaicos e claro os grafites, afinal foi isso que nos atraiu até lá. Eu simplesmente amei o bairro, as casinhas todas decoradas de forma artística, os grafites super bem elaborados pelos muros, o lado colorido de São Paulo, pra todo canto que se olhasse tinha arte.  

Estar descobrindo um lugar incrível numa companhia agradável fez tudo parecer mágico. Eu nem tirei mais que dez fotos! E olha que estava num dos lugares mais legais que já fui... talvez tenha preferido usar o lugar como cenário de uma história do que transformá-lo apenas em fotografias. Quando nos sentamos pra conversar um pouco, em baixo da sombra das árvores e com direito a música ao vivo, um passarinho muito afinado cantava alegremente, e nós não perdemos a oportunidade de desfrutar disso da melhor maneira possível. Eu não tenho palavra pra descrever o quão maravilhoso foi estar ali. Nós nem tínhamos dormido pra poder aproveitar o dia e como estava valendo a pena! cada segundo trazia consigo algo de especial. Engraçado que tudo que costumo esconder eu acabei deixando a mostra, e pensando que isso assustaria acabou por nos aproximar. Era como se nos braços desse doido eu pudesse me sentir mais livre. Livre inclusive de mim mesma. Estava tudo uma maravilha, mas precisávamos voltar. 
Na volta me sentia mais segura e até triunfante ao andarmos de mãos dadas. Quando via nosso reflexo nas vitrines eu deslumbrava a nossa imagem tentando me acostumar com a ideia de sermos enfim um casal. De que finalmente podíamos andar como gostaríamos. O dia estava perfeito, mas não tinha acabado e a vida é cheia de revira voltas. Pegamos o trem pra voltar e já lamentávamos que a segunda feira ia tardar e que demoraria para que a gente se visse de novo. Mas o destino não quis assim. Eis que quando estávamos na estação Jaraguá da linha rubi ocorreu uma pane nos trens. Resultado: tivemos que descer e aguardar. Os ânimos se exaltaram e testemunhamos o caos se iniciando... gente revoltada criando tumulto, depredação, pessoas desmaiando, superlotação que tornava a situação desumana. Aguardamos no Sol por mais de uma hora pra que o próximo trem viesse super lotado e não conseguíssemos entrar. Depois fomos avisados pra sair da estação e aguardar os ônibus que nos levariam a próxima estação. Mais pessoas foram chegando e o caos ia piorando. Nisso se foram mais uma hora... estávamos completamente perdidos, numa cidade super longe e sem saber o que fazer, pra ajudar com uma multidão de loucos. Isso nos testou da pior forma possível... até onde nossa paciência duraria para que um dia perfeito não pudesse ser estragado? De sorte ambos conseguimos manter a calma e o humor da forma como era possível. Nos arriscamos pegando ônibus que nem mesmo tínhamos certeza de onde ia, nos agrupamos com mais pessoas que estavam na mesma situação... e nessa hora por diversos momentos eu vi que o desespero humano pode ser a coisa mais assustadora e nociva de todas. O ônibus nos levou a Perus, de lá ainda teríamos que dar um jeito de chegar a Caieiras... precisávamos ao menos chegar até Francisco Morato pra conseguirmos nos orientar, mas ainda estávamos longe demais e sem previsão de quando ou como chegar até lá. Os tais ônibus prometidos passavam super lotados e não paravam, a frustração só dava mais motivo pros ânimos se exaltarem. Começava a escurecer e com isso a preocupação aumentava. Tínhamos motivos de sobra para nos revoltarmos, xingarmos... mas toda a energia que nos restava nós gastávamos um com o outro. Quando finalmente um ônibus pra Caieiras nos pegou já nos deu um alívio. Pela primeira vez na vida estava beijando uma pessoa dentro de um ônibus lotado, no pior cenário possível, mas era nossa forma de fugir pra longe daquela situação maluca. Duas pessoas tímidas que abriram mão do que os outros iam pensar em prol de transformar um momento ruim numa coisa boa. Eu tenho certeza que se não fosse por ele eu não teria conseguido manter tão bem a calma. Como era bom ter minha paz somada a dele, isso certamente nos ajudou muito. Nem se quer vimos o trajeto que fizemos, de Perus a Caieiras só me lembro do senhor que entrou depois de nós que estava com uma Skol na mão e dizia ao telefone a esposa que não estava bebendo. Assim como ele houveram pessoas as quais nos aproximamos durante esse dia louco e que muito provavelmente jamais veremos de novo, mas pessoas que eu nunca vou esquecer. O rapaz sorridente e sonolento que estava no mesmo vagão que a gente e que depois encontramos no ponto esperando também o ônibus a Caieiras. A moça de Jundiaí que conhecemos no primeiro ônibus e que esteve com a gente até chegarmos a estação... e o homem com a skol que fazia piadas e soltou o "livrai-nos do mal" que nos arrancou risos. E depois disso o pior ainda nem tinha começado! Chegando na estação ainda tivemos que esperar mais, mais horas e mais pessoas chegando. O primeiro trem veio e veio superlotado. Pessoas se esmagavam e lutavam pra se espremer em cada milimetro possível dentro do trem. Umas atropelando as outras, tanto que impediam as portas de se fechar. Tumulto, revolta, desespero e mais caos. Mais pessoas passando mal. O trem que não saia do lugar e impedia o próximo de chegar... Vi pela janela o que parecia uma cela, aquilo era uma condenação. Eu assistia a cena e tinha vontade de chorar, não por desespero ou medo, mas por angustia e tristeza, de ver ao que as pessoas se submetem por conta do desespero, de ver como o governo pode deixar as coisas chegarem nessa situação, de ver que pessoas podem virar monstros e que uma situação ruim não é nada perto de como as pessoas se transformam ao reagir a isso. Mas me mantive em paz, estava com as mãos dadas com alguém especial, não havia caos que diminuísse isso. Recorremos mais vezes a nossa fuga, pra mim que achava inadequado pessoas que se beijam em público, aquilo deveria ter soado como um insulto pra mim mesma e principalmente pras pessoas a volta... não haveria situação mais inadequada que aquela... mas me senti bem, era um jeito de reagir a situação sem ser afetada por ela. Pela manhã eu havia visto o lado belo de São Paulo, as árvores a arte urbana... e agora perdida ali entre tantas pessoas eu também podia ver o lado que os jornais sensacionalistas gostam de enfatizar. Quando o segundo trem finalmente chegou veio tão superlotado quanto o anterior, mas já não havia alternativas... tínhamos que entrar. De mãos ainda dadas nos arrastamos contra aquela maré de pessoas agitadas e entramos, pressionados uns contra os outros, num aperto desgastante doía até mesmo pra respirar. Somente nessa hora tive um momento de pânico e senti o horror a flor da pele, por dentro tinha perdido o controle. Foi sem dúvidas uma das piores situações que já vivi. Sem ar e mal tocando os pés do chão eu lutava apenas me obrigando a não desmaiar, eu sentia meu corpo sedendo e fiquei aflita, se desmaiasse ali não teria como sair, não teria como ser resgatada, e pioraria a situação, eu não podia me entregar, tinha alguém ali que também precisava de mim, fechei os olhos e foquei "vou sobreviver a isso". A dificuldade pra respirar, as reclamações, os corpos espremidos, o suor que passava de uma pessoa pra outra... eu jamais vou esquecer o quanto aquilo era sufocante, humilhante, dolorido, triste e estressante. De olhos fechados eu usava toda minha força pra puxar o ar, que vinha tão quente que não parecia fazer efeito sobre meu corpo. o ar pesava feito chumbo. Quando enfim o trem saiu do lugar abri os olhos... estava de frente pra ele, não havia mais forças pra trocarmos sorrisos. Saímos do trabalho pela manhã, e já estávamos mais de 30 horas sem dormir. Pensava no quanto aquilo estava sendo desgastante pra ele, já não me importava comigo, pensava em como ele era forte pra não deixar aquilo o abalar, não ouvi sequer uma reclamação sair da boca dele, nenhum indicio de raiva, medo, desespero... eu queria retribuir aquilo. Isso me fez esquecer a dificuldade pra respirar, me fez ver muito mais, eu acabei aprendendo tanto com ele diante daquela situação toda que mesmo ali eu fui tomada por uma gratidão enorme. Olhava pra aqueles olhos cansados e tentava dizer com meu olhar "obrigada". A velocidade estava reduzida... um percurso que mesmo se fosse curto já seria desgastante, agora mais lento nem mesmo a palavra insuportável seria capaz de definir. Felizmente ao chegar a estação Baltasar Fidélis boa parte das pessoas desceu, nos dando um alívio. E finalmente parecia que o caos estava chegando ao fim. Chegamos a Francisco Morato, já era nove horas da noite e eu parecia ter recuperado a força, justamente quando ele perdeu a dele. Pegamos o trem sentido Jundiaí e a última coisa que ele disse antes de dormir apoiado em mim foi "e apesar disso tudo, valeu a pena". Ele já havia dito aquilo durante os momentos que eu já não tinha o que dizer, eu achava que era algo que dizia só por educação, mas nessa última vez foi quando aquilo teve um significado maior, pois ele estava cansado demais pra dizer aquilo a toa. Ele desceu duas estações antes de mim, o que me fez pensar pela primeira vez na distancia das nossas cidades. E ainda assim a noite tinha surpresas. Desci em Jundiaí, mas ainda teria que pegar dois ônibus pra chegar em casa. Já eram mais de nove da noite eu estava destruída, mais desorientada no terminal Vila Arens do que estava nas cidades que nem conhecia. Sentei quando achei o lugar aonde o ônibus que eu precisava ia parar. Do meu lado havia um senhor com um chapéu, pedi licença ao sentar e ele sorriu. Logo notamos que estávamos usando o mesmo estilo de chapéu, modelo fedora, fizemos uma breve troca de chapéus, rimos e conversamos.
Eu com cara de besta e o seu Paulo.
Tenho mesmo o dom de sair com caras estranhas em selfies.
Seu Paulo: o corintiano do Rio de Janeiro! Uma pessoa que precisava de alguém que o olhasse nos olhos. Que momento agradável, rindo com ele nem parecia que eu tinha passado por tudo aquilo horas antes. Chegamos a tirar uma foto juntos, eu precisava eternizar nosso encontro. Acabou que pegamos o mesmo ônibus e quando ouvi ele agradecendo, dizendo que eu tinha trago alegria pra ele, eu percebi que todo o caos que passei antes valeu ainda mais a pena, pois sem aquilo eu não o teria conhecido e não teria feito aquele carioca gente boa sorrir. A vida é bem doida mesmo. Desci e ainda tinha que chegar em Itupeva. Foi ali esperando o ônibus que o sono me bateu forte. Eu nunca durmo em ônibus e hoje por pouco não apaguei. Meu corpo começou a ficar dormente, minha cabeça tava tão avoada que eu parecia já estar dormindo. Demorou bastante pra este último ônibus chegar, parecia que nada nesse dia tinha pressa de acontecer. Cheguei em casa já eram mais de onze horas da noite, eu ri pois tinha saído de casa as 20:50 do dia anterior, antes de ir trabalhar. Entrar em casa depois de um dia tão longo e louco foi uma vitória. 
De pirraça não vou postar fotos de grafitis do beco do Batman. Pois embora eu tenha ido pra lá por isso, não foi isso o que mais foi significativo e também eu tirei poucas fotos, tinham fotógrafos lá, excursão de escola também e teve partes em que nem tive como fotografar. Pretendo voltar pra tirar fotos direitinho, mas certamente vai demorar pra mim querer encarar um passeio de trem/metro. Eu que tanto defendo o transporte público me traumatizei e não quero passar por isso de novo. Sobre estar com uma pessoa maravilhosa numa situação catastrófica eu espero que Nietzsche esteja certo sobre "o que não nos mata nos fortalece" pois pra um primeiro encontro enfrentamos coisas demais, sobrevivemos, mas não sei como será depois de tudo isso. O que eu sei é que foi bom superar tudo aquilo ao lado dessa pessoa. Eu vi ali uma pessoa muito mais completa do que eu esperava. Espero que nada dessa loucura venha a comprometer algo que esta acabando de nascer.

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